domingo, fevereiro 17, 2008

Quarto 23


Foto: Quarto

O QUARTO 23

O fato de ir ao hospital todos os dias fez com que Marilda se acostumasse. Passar pelo longo e tortuoso “corredor da morte”, como os funcionários do hospital apelidaram, não mais lhe chocava, como chocou nos primeiros anos de experiência como auxiliar de enfermagem.
Marilda é uma mulher comum, 45 anos, brasileira, trabalha como auxiliar de enfermagem, divorciada e tem dois filhos, Gabriel de cinco anos e José de doze, que não moram com ela, estão morando no exterior com o pai. O marido que só fez engravida-la e abandona-la, queria mesmo era ter dois filhos e fugir com seu mais novo namorado.Há seis anos morando sozinha, aprendeu a conviver com a solidão. Passou por maus bocados, tentativas de suicídio, profundas depressões e problemas cardíacos. Na sua cabeça sempre apareciam perguntas como “Porque tanto sofrimento?”, “Irei morrer sozinha neste apartamento?”. Não tinha amigos e nem vizinhos. Seu ex-marido nem sequer ligava para dizer como estão os filhos, perguntar se precisava de alguma ajuda financeira, nada disso perguntava, aliás, o telefone nunca mais tocou depois de ter recebido a notícia de que sua mãe havia falecido, no nordeste. Estava completamente só. No ônibus á caminho do trabalho, ela podia conversar sobre os fatos do dia-a-dia, as novelas e sentir-se um pouco mais “gente”. Chegando ao trabalho, não tinha mal humor, sorria pra todos e desejava bom dia. Sempre de alto astral, quem a via não suspeitava que era tão infeliz, a pobre coitada. De vez em quando, trancava-se no banheiro pra chorar, não queria ser vista daquele jeito, “a mulher do bom dia” não podia chorar. O seu maior sonho era o mais simples de todos: queria ser feliz. E para isso não precisava ganhar na loteria, ser artista global e muito menos conhecer o mundo todo. E a sua felicidade estava numa companhia, seja lá qual fosse. Não pensava mais em arranjar outro homem, porque a decepção foi tamanha e com isso a fez desacreditar no amor.
Sua vida mudou numa manhã nublada de quinta-feira. Acordou disposta e com o corpo leve, sentiu-se bem. Achou-se estranha, uma energia tomava conta do seu corpo cansado. Tanto o motorista quanto o cobrador puderam perceber que ela estava bem. Percebia em seu olhar, que nunca brilhou tanto.
Chegando no Hospital, foi logo cumprir sua tarefa. No quarto 23 havia uma senhora internada e Marilda precisou ir lá para poder coletar seu sangue. Entrou no quarto e disse:- Bom dia, flor do dia! Como vai a senhora? Meu nome é Marilda e vim fazer um exame na senhora. A senhora prontamente respondeu:- Bom dia! Vou bem, obrigada. À medida que os dias passam, me sinto cada vez melhor! E Marilda pôde perceber que aquela paciente era uma companheira perfeita para bater sempre um papo, quando possível.
Já tinha cinco meses e a senhora ainda continuava internada e o que Marilda achava curioso é que ela nunca se queixava, não perguntava quando iria ter alta e entre outras perguntas que os pacientes fazem quando estão cansados de ficarem no hospital por muito tempo. Todo dia, elas conversavam como grandes amigas, o nome da senhora era Dolores e tinha 87 anos, seu quadro de saúde era classificado como grave, mas nada impedia que seu jeito alegre de ser mudasse.
Numa dessas conversas, Dolores cismou em dizer que Marilda era uma pessoa feliz e que não devia reclamar da vida, mas, Marilda discordou e disse que a vida dela era um caos, só havia tristezas e contou todas as histórias, mas Dolores continuou:- Querida, confie em mim. Você é feliz e não sabe. Infeliz é aquele que não tem saúde, que está quase um ano deitado numa cama de hospital...Deixe de ser pessimista, não conte coisas ruins, você só irá atrair e emanar coisas negativas. Marilda nunca havia discordado de Dolores e nesse dia ela ficou chateada, bateu a porta do quarto com força e prometeu nunca mais voltar lá.
Passou-se então dois meses e Marilda pensou em pedir desculpas à sua amiga Dolores. Mas quando chegou ao quarto 23, ele estava vazio. Uma sensação de gelo tomou o seu corpo e correu até a sala de enfermagem, queria saber onde estava Dolores. Pensou que poderia ter recebido alta ou ter trocado de quarto, mas o inevitável havia acontecido.
Dolores faleceu.
E a causa da sua morte foi solidão.


(Priscila Silva)

1 comentário:

Anónimo disse...

"E a causa da sua morte foi solidão." Adorei o final, adorei o inicio, adorei o meio, adorei o enredo, adorei como é relatado a historia, adorei de como é descrito os personagens, adorei de como é descrito o ambiente, adorei a parte de reflexão, adorei o realismo, e adorei as situações das personagens em suas vidas com relação a realidade.

Beijocas, Kim Sato