quinta-feira, setembro 11, 2008

Espelho

Falar de espelho nem sempre é sinônimo de beleza ou qualquer outro assunto relacionado à estética. No meu caso, o espelho teve uma importância maior. Na infância, por volta dos cinco aos oito anos costumava, como toda criança, criar mundos onde a realidade e os personagens existiam da forma como eu desejava.
Minha mãe comentava ao ver uma de minhas brincadeiras “Onde é que essa menina arranja tanta história pra contar? Deve ser no colégio, só pode”.
Quando tinha sete anos, veio então a vontade de brincar com o espelho. Não costumava brincar só, convidava meu irmão que na época tinha três anos e meu primo que tinha seis.
O desejo de viver um mundo diferente, mais bonito e legal nunca esteve tão perto, era seguir o corredor da minha casa e dobrar à primeira esquerda e lá estava ele, grande e envolto numa moldura de alumínio com uma portinha onde dentro podia guardar escovas e pasta de dente.
O banheiro naquela época nunca tinha sido tão movimentado, era um entra e sai, eu e minha trupe à procura de aventuras, meu pai ficava furioso, quando tinha que tomar banho e não podia entrar “Meninos, o que vocês fazem tanto neste banheiro? Todo dia é isso”.
A cada dia que passava era mais fascinante o contato com o espelho, a vontade de viver as histórias era algo que tomava conta de mim, pegava uma cadeira e ficava de frente pra ele, como um alguém que admira um quadro ou qualquer obra de arte e isso levava horas que até me esquecia do tempo, e não ouvia se quer a minha mãe me chamar.
Uma das histórias que eu lembro, era de um coelho cujo nome era Jack, era branco, com olhos vermelhos (típico daquela canção da páscoa “de olhos vermelhos de pelo branquinho”) morava dentro do espelho e sempre era esperado com muita expectativa por nós durante o tempo todo.
Mas o ambiente não era vago, tinha uma diversidade de cores, era um imenso e colorido jardim, cercado de chocolates e guloseimas e detalhes puros e inocentes que uma criança pudesse imaginar.
Achava graça quando meu irmão, com quatro anos, chorando, dizia “Quero ver Jack, Pri, ele vem hoje?” E eu tinha que estar disposta a qualquer hora para levar meu irmãozinho para apenas dar um oi ao amigo coelho, que nem sempre estava presente já que ele tinha uma personalidade forte e só aparecia quando queria.
Com o passar dos anos não olhava mais o espelho como sua função, toda vez que eu passava por ele, tinha que conferir se havia alguma história rolando por lá, se havia novidades e entre outras curiosidades que não me recordo.
Mas essa relação com o espelho, não se limitou à infância, ele foi também meu amigo, meu inimigo e confidente na fase da vida mais linda e fácil de lidar, a adolescência. Foi meu ombro amigo, acompanhou todo o meu desenvolvimento, minhas angústias e medos.
Já na juventude, percebo o quanto ele faz falta, não digo na presença física, porque qualquer canto que eu olho, vejo sempre espelhos: em casa, nos carros, ônibus, janelas, chaveiros.
Nenhum desses espelhos passa a profundidade que somente aquele espelho da minha infância passou. Hoje não tenho mais nem o espelho e nem a inocência de tempos atrás.

2 comentários:

ARMANDO MAYNARD disse...

Bons tempos os da sua infância ,em que o ESPELHO era mais importante que a TELEVISÃO.Hoje as histórias já vem prontinhas.Um abraço,Armando(lygiaprudente.blogspot.com)

Anónimo disse...

Lembrou-me a historia de Lewis Carroll, Alice através do espelho.
Alice atravessa um espelho de sua casa e descobri um mundo novo cheio de magia onde vive sua infância.
Gostei do final do texto, e todos temos uma criança interior mesmo sendo adultos.