Cordéis espalhados na Banca de João Firmino Cabral é uma alegria para os olhos dos visitantesPor: Priscila Silva
Falar da cultura sergipana é englobar diversos fatores num único povo. Danças, lendas, músicas, comidas típicas, roupas e em especifico a literatura do cordel. Esta que é um tipo de poesia de origem popular, que no seu inicio foi difundida oralmente para depois aparecer em folhetos dependurados em cordas ou cordéis, vindo daí a origem do nome cordel, que vem lá de Portugal, que tinha a tradição de pendurar folhetos em barbantes.
Chegando ao mercado central de Aracaju, atravessa-se um corredor de flores, que irá acabar na Praça João Firmino Cabral, e lá, está o poeta do povo com sua simplicidade e atenção em meio a cordéis, visitas de amigos, turistas e passantes num ambiente acolhedor e familiar, como se fosse a sala de sua própria casa. Firmino é um senhor de olhar curioso, que traz na “ponta da língua” um cordel para falar, onde quem pára na sua banca ouve com atenção o que é lhe dito.
Ele é o João Firmino Cabral, 68 anos e com muito amor ao que faz confessa que tem 52 anos de cordel. “
Estou completando 52 anos de poeta, comecei a escrever cordel aos meus 16 anos.” A vida do poeta não foi somente de letras e rimas. Na infância, o ilustre itabainense, ajudava a sua mãe Dona Cecília da Conceição, na tarefa de fazer panelas de barro. “
Comecei o trabalho cedo, carregando lenha para a minha mãe fazer panelas de barro. Aos 14 comecei a ler cordeis, por causa da minha mãe que comprava para eu ler. E foi através do cordel que aprendi a ler e escrever”.
Quando perguntado qual cordel ele mais gosta, de maneira simples como seu próprio jeito humilde de ser, diz gostar de todos. “
Meus cordéis são como meus filhos, eu gosto de todos. Desde o meu primeiro que eu escrevi em 1956 até os mais atuais sobre a dengue e o caso Pipita. Mas tenho um carinho por “Heróis do destino” e “A coragem de uma vaqueiro em defesa de um amor”
O cordelista é referência de pesquisa para estudantes de todas as séries, inclusive das crianças do interior, como é o caso do Colégio Imaculada Conceição da cidade de Capela, onde os alunos da 4 série vieram conhecer o ícone da cultura sergipana. “
Gostei muito do João Firmino, ele escreve poemas legais, eu comprei três livrinhos, o monstro sem alma, corruptos do Brasil e As peripécias de João Grilo” , disse contente a estudante Calyane Gomes, 11.
O que deixa João Firmino Cabral orgulhoso do que faz, não é somente as constantes visitas de curiosos, estudantes e pesquisadores mas também a difusão do cordel em todo território brasileiro. “
A literatura de cordel está mais divulgada porque já tem em vários estados e muitas pessoas vêm para minha banca conhecer o que é cordel”.
Como forma de retribuição, o cordelista assume a cadeira de número 23 na Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). “
Este ano vou fazer parte de uma das cadeiras. Em junho estarei seguindo para o Rio de Janeiro, tomar posse, aliás essa cadeira já pertencia a um ancestral meu, Manuel de Almeida Filho. Isto é bondade do povo, é uma alegria pra mim, porque eu sou o segundo poeta sergipano, teve o Gimar Santana , que é meu discipulo, ele foi o primeiro e eu fiquei honrado. Ele dizia nos jornais e revistas que a cadeira não era para ele e sim para mim e eu sempre falava a ele que um dia iria chegar a minha vez ”, lembra.
ProseandoO poeta nunca imaginou escrever algo diferente de cordel. “
Nunca escrevi nada além do cordel a não ser uma cronicazinha com a minha língua matuta, prefiro ficar nesse estilo”. A respeito da procura dos leitores de cordel, Firmino se entristece quando reconhece a falta de interesse da população do interior.“
Eu recebo as escolas. E infelizmente o público que lê menos é o povo do interior de Sergipe. Os interiores de outros estados estão sempre por aqui, Alagoas, Pernambuco e Bahia” e ainda acrescenta “
O sergipano, estudante que tem uma formação, ele continua admirando a cultura, o cordel, a rima. Já o interiorano acha que o cordel é algo do passado, o povo gosta é de bandas musicais, gosta de lapada na rachada e chupa que é de uva”.
A banca de Firmino é bastante movimentada, de criança a poetas consagrados, um deles é o poeta Ronaldo Dória Dantas que chega à banca sem economizar elogios ao amigo. “
Já virou vício estar aqui, meu dia só começa depois que eu passo por aqui para pedir a benção ao meu mestre que me incentivou a escrever e a ser o poeta que sou hoje” e também para Dória a cultura é pouco apreciada pelo público sergipano.
Já o poeta e pesquisador Clenaldo que também é amigo de longa data, não dispensa sua visita diária ao João. “
Eu brinco com ele dizendo que ele é um poço de qualidades e ele como sempre, com seu jeito humilde e modesto, me retribuiu com os mesmos elogios” e também considera Firmino um irmão, porque quando ele mais precisou, estava presente. “
Quando para mim já não havia mais nenhum um sopro de esperança de vida e a medicina já havia me dado como perdido busquei nos amigos a força e o positivismo para dar voltas e ressurgir das cinzas como uma fênix. Curei-me de um câncer do pulmão, que os médicos diziam que eu tinha apenas 5% de chance de sobreviver e agradeço a este meu amigo-irmão que tanto me deu forças para que eu não desistisse de lutar pela vida”, relembra o amigo e emocionado Firmino com os olhos rasos d’água o abraça, disfarçando, adianta “
Estou atrasado, hoje vou dar uma entrevista a Valadão na Tv Caju”. Este é o nosso João Firmino Cabral.