domingo, setembro 28, 2008

Além da imagem

“Oi Priscila, olha para cá!”, disse uma voz vinda do espelho. “Não tenha medo, olhe no espelho. Estou olhando para você”, continuou. A reação que eu tive foi sair correndo do banheiro e em minha mente só veio um ditado popular quem procura, acha. Sempre tive vontade de descobrir o que tinha dentro do espelho e nos meus sete anos, descobri.
Nos primeiros contatos entre a voz que saía do espelho e eu, apenas trocávamos palavras curtas como “oi”, “tudo bom?”. A curiosidade que eu tinha em saber quem estava falando me fez vencer o medo de encarar o novo. Já possuía duas dicas, a voz estava saindo do espelho e parecia ser de um menino porque o tom de voz não era grave.
Não me contentei apenas com essas informações e numa tarde onde todos da minha casa haviam saído, criei coragem, estufei o peito e disse “Estou pronta!”, entrei no banheiro, peguei uma cadeira e subi. Olhando para o espelho, eu disse “Apareça, quero saber quem é você. Não estou com medo, já tenho sete anos!”.
No espelho nenhuma imagem apareceu, quando decidi descer da cadeira, uma orelha grande e com pêlo branco apareceu no espelho.
Com o susto, acabei caindo, não levantei, permaneci no chão, olhando para a orelha que parecia ser de um coelho. “Ah, então você é um coelho! Como pode falar que nem gente?”, perguntei. No mesmo instante ele respondeu “Eu falo porque você deseja”.
Não entendi o que ele quis dizer com isso. “Quer saber de onde eu venho? Se quiser, eu mostro a você” disse o coelho me desafiando. “Eu topo”, prontamente aceitei.
Naquele momento, o espelho tornou-se imenso e revelou um mundo diferente, com um gramado verde brilhante com diversas flores coloridas, pude notar que era bem cuidado o jardim. Já sabia o que ele era e aonde ele morava, mas não sabia o seu nome.
“Como pude esquecer disto! Qual o seu nome, coelhinho?”, perguntei encabulada. “Nome? Estava esperando você me nomear. Não tenho nome ainda. Você decide”, respondeu o orelhudo.
A cada encontro, acrescentava algo novo ao coelho. “Seu nome será Jack”, informei ao coelho. “Jack? Porque esse nome?”, perguntou. “Minha avó costumava contar histórias para mim, de um homem que vivia pulando, alturas maiores que um prédio de 10 andares e ele só pulava assim para salvar a vida das pessoas”, respondi. “Que honra receber um nome de uma pessoa tão boa”, agradeceu.
A nossa amizade tinha uma grande importância, me ajudou a crescer, amadurecer e a tornar Jack cada vez mais real. Num determinado dia, quando retornei do colégio, não encontrei o espelho no banheiro, havia um outro. Nesse momento senti um forte aperto no peito e perguntei a meu pai “Meu pai, cadê o espelho que ficava aqui?”.
Sem saber da amizade que eu tinha com Jack, meu pai respondeu “Aquele espelho velho? Joguei fora minha filha, aquilo ali não servia pra nada. Olha pra esse espelho novo, é outra coisa não é?”, perguntou animado.
O que eu menos esperava, havia acontecido. A separação entre eu e Jack. Como estaria meu amigo coelho, jogado num lixo, suas belas flores estariam murchas e seu sorriso apagado.
Lavando meu rosto na pia, após ter chorado pela falta de Jack, ouço uma voz feminina dizer “Não chore, estou aqui pra te ajudar” e quando olhei para o espelho, não vi Jack e nem outro personagem, eu vi minha imagem refletida. Nesse momento pude perceber o quanto eu era forte e que a solução eu não iria encontrar em outros personagens criados na minha mente, a solução estava mais perto do que eu imaginava, estava dentro de mim.

quinta-feira, setembro 11, 2008

Espelho

Falar de espelho nem sempre é sinônimo de beleza ou qualquer outro assunto relacionado à estética. No meu caso, o espelho teve uma importância maior. Na infância, por volta dos cinco aos oito anos costumava, como toda criança, criar mundos onde a realidade e os personagens existiam da forma como eu desejava.
Minha mãe comentava ao ver uma de minhas brincadeiras “Onde é que essa menina arranja tanta história pra contar? Deve ser no colégio, só pode”.
Quando tinha sete anos, veio então a vontade de brincar com o espelho. Não costumava brincar só, convidava meu irmão que na época tinha três anos e meu primo que tinha seis.
O desejo de viver um mundo diferente, mais bonito e legal nunca esteve tão perto, era seguir o corredor da minha casa e dobrar à primeira esquerda e lá estava ele, grande e envolto numa moldura de alumínio com uma portinha onde dentro podia guardar escovas e pasta de dente.
O banheiro naquela época nunca tinha sido tão movimentado, era um entra e sai, eu e minha trupe à procura de aventuras, meu pai ficava furioso, quando tinha que tomar banho e não podia entrar “Meninos, o que vocês fazem tanto neste banheiro? Todo dia é isso”.
A cada dia que passava era mais fascinante o contato com o espelho, a vontade de viver as histórias era algo que tomava conta de mim, pegava uma cadeira e ficava de frente pra ele, como um alguém que admira um quadro ou qualquer obra de arte e isso levava horas que até me esquecia do tempo, e não ouvia se quer a minha mãe me chamar.
Uma das histórias que eu lembro, era de um coelho cujo nome era Jack, era branco, com olhos vermelhos (típico daquela canção da páscoa “de olhos vermelhos de pelo branquinho”) morava dentro do espelho e sempre era esperado com muita expectativa por nós durante o tempo todo.
Mas o ambiente não era vago, tinha uma diversidade de cores, era um imenso e colorido jardim, cercado de chocolates e guloseimas e detalhes puros e inocentes que uma criança pudesse imaginar.
Achava graça quando meu irmão, com quatro anos, chorando, dizia “Quero ver Jack, Pri, ele vem hoje?” E eu tinha que estar disposta a qualquer hora para levar meu irmãozinho para apenas dar um oi ao amigo coelho, que nem sempre estava presente já que ele tinha uma personalidade forte e só aparecia quando queria.
Com o passar dos anos não olhava mais o espelho como sua função, toda vez que eu passava por ele, tinha que conferir se havia alguma história rolando por lá, se havia novidades e entre outras curiosidades que não me recordo.
Mas essa relação com o espelho, não se limitou à infância, ele foi também meu amigo, meu inimigo e confidente na fase da vida mais linda e fácil de lidar, a adolescência. Foi meu ombro amigo, acompanhou todo o meu desenvolvimento, minhas angústias e medos.
Já na juventude, percebo o quanto ele faz falta, não digo na presença física, porque qualquer canto que eu olho, vejo sempre espelhos: em casa, nos carros, ônibus, janelas, chaveiros.
Nenhum desses espelhos passa a profundidade que somente aquele espelho da minha infância passou. Hoje não tenho mais nem o espelho e nem a inocência de tempos atrás.